Começo perguntando, então,
Citando novamente Morpheus,
"Morpheus: O que é real? Como você define real? Se você está falando do que pode ser cheirado, provado e visto, então real é simplesmente um sinal elétrico interpretado por seu cérebro." (IRWIN, Matrix, p. 83)
Primeiro, leia estas páginas:
Melhor ainda, depois de ler, jogue pelo menos uma partida deste jogo com seus amigos para entender melhor como funciona e porque ele é, por vezes, considerado uma analogia ao método científico.
Depois disso, vamos, então, analisar o que seja Realidade, a partir do jogo de Elêusis.
Cada jogador observa a sequência A de descartes legais (corretos) e ilegais (incorretos), de acordo com uma 'regra secreta' D, a que ele não tem acesso. Essa é a 'Realidade' exterior a ele.
Ele analisa a sequência em sua mente, constrói hipóteses C e, a partir delas, faz previsões de descartes B, que, na sua vez, vai testar, vai realizar um experimento. Isso constitui seu Modelo, isto é, ele estará modelizando internamente a Realidade externa.
Se seu descarte for validado pela regra, sua previsão terá sido boa, o que dará força à sua hipótese.
No entanto, qualquer descarte posterior, seu ou de outro jogador, poderá ir contra seu modelo. O jogador, neste caso, terá que revisar e refinar seu modelo.
Por outro lado, um jogador pode acertar muitos descartes e até ganhar o jogo, sem que seu modelo corresponda à regra secreta!
Como dissemos, este jogo de cartas é, por vezes, considerado uma analogia ao método científico. Vejamos esta analogia.
Vivemos cercados por fenômenos A. No sentido científico, 'fenômeno' não é nada 'fenomenal', fora do comum. Pelo contrário, fenômeno é simplesmente qualquer coisa que podemos observar.
Conforme deve ter visto nas páginas sugeridas acima sobre percepção e padrões, temos uma tendência a encontrar correlações entre fenômenos e a achar que eles não ocorrem independentemente. Isso está representado na figura acima pelas linhas que ligam os diversos fenômenos.
Os fenômenos A, percebidos pelos nossos sentidos e interpretados (transformados) pela nossa mente, tornam-se imagens B em nossa mente, réplicas dos fenômenos exteriores. São representações internas dos fenômenos exteriores, como numa pintura.
Lembre-se da obra La Condition Humaine, de Magritte, em que ele chama nossa atenção para não confundir a representação (quadro no cavalete) com o representado (paisagem vista pela janela).
Eco chama a atenção para a "hiper-realidade desvairada" da cultura norte-americana que designa a Coca-Cola como the real thing ('a coisa verdadeira') (Viagem na Irrealidade Cotidiana, p. 13).
Vale a pena lembrar a cena de Matrix, à mesa do café na Nabucodonosor, em que Mouse discute
"[...] como as máquinas que produzem aquela gororoba sabem o gosto de Taystee Wheat? E como alguém pode saber que aquilo tem um gosto parecido com Taystee Wheat, se jamais ninguém [vivo à época em que a ação se passa] o comeu para poder comparar?" (IRWIN, Matrix, p. 144)
Felluga vai mais longe, dizendo que
"O que se deve salientar é que o próprio Taystee Wheat – no nosso mundo cotidiano – não é mais real, por ser definido pelo nome do produto: não wheat [trigo] mas ‘Taystee Wheat’ [trigo gostosinho] . O produto de consumo, ele próprio cercado de uma campanha publicitária, toma o lugar de the real thing". (FELLUGA, Matrix, p. 86)
Eco também descreve o Palace of Living Arts, em Buena Park, Los Angeles, infelizmente fechado em 1982, como sendo um museu diferente, porque
"reproduz em cera, em três dimensões, em tamanho natural e obviamente a cores, as grandes obras-primas da pintura de todos os tempos." (ECO, Viagem na Irrealidade Cotidiana, p. 26)
Segundo Eco, a filosofia do Palace é
"nós lhes damos a reprodução a fim de que não sintam mais a necessidade do original." (ECO, Viagem na Irrealidade Cotidiana, p. 26)
Na verdade, como vimos, temos acesso apenas às nossas percepções.
Como disse Bohr,
"Nenhum fenômeno é fenômeno até ser observado."
Da mesma forma, acreditamos encontrar relações entre as nossas percepções, que correspondem às supostas relações entre os fenômenos exteriores.
Note, porém, que, como vimos na discussão sobre percepção, essas réplicas não são cópias perfeitas mas são transformadas de acordo com um processamento realizado por nossa mente.
"Vemos o mundo como nós somos, não como ele é; porque é o eu por trás dos olhos que realmente vê."
"Atrás da consciência não se encontra o nada absoluto, mas sim a psique inconsciente que afeta a consciência por trás e por dentro, da mesma forma como o mundo externo afeta a consciência pela frente e de fora." (Jung, O Espírito na Arte e na Ciência)
Ou, como disse Bohm,
A realidade é o que assumimos ser verdadeiro. O que assumimos ser verdadeiro é baseado nas nossas percepções. O que percepcionamos depende do que procuramos. O que procuramos depende do que pensamos. O que pensamos depende do que percepcionamos. O que percepcionamos determina o que acreditamos. O que acreditamos determina o que assumimos ser verdadeiro. O que assumimos ser verdadeiro é a nossa realidade.
Da mesma forma que no jogo de Elêusis, procuramos encontrar 'causas' e 'explicações' para as relações que encontramos entre nossas percepções.
Com isso, criamos um conjunto C de conceitos, princípios, leis e teorias (veremos com mais detalhe estes termos na aula Epistemologia e seus Conceitos Básicos) para tentar explicar essas correlações, tal como as hipóteses que criamos para explicar e prever as sequências corretas no jogo de Elêusis.
Temos, então, nosso modelo da realidade.
Alguns modelos científicos são:
Por outro lado, queremos acreditar que o Universo em que vivemos tem alguma lógica, que não é um conjunto desordenado de fenômenos.
Queremos acreditar que existem 'regras secretas' que regem os fenômenos que observamos.
No entanto, não temos como saber quais são elas e nem mesmo se realmente existem!
Tal como no jogo de Elêusis, não temos como saber se o nosso modelo corresponde a essas 'Leis da Natureza' que estariam por trás dos fenômenos. O melhor que podemos fazer é testar nossas previsões, realizar experimentos, como nos descartes do jogo. Na próxima parte destacaremos em mais detalhe a diferença entre observação e experimento.
"Hoje, a natureza não é mais apenas o que vemos diretamente, pois a Ciência criou novas possibilidades de pensarmos o mundo ao nosso redor. A essência dos objetos pode estar fora da aparência visual. A arte abstrata e a ciência do século XX parecem nos dizer isso." (REIS; GUERRA; BRAGA, Ciência e arte)
Orbital atômico 5f
'Ritmo de Outono'. Pollock (1950)
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