Seurat considerava estupidificante o ensino de Arte que tinha na École des Beaux-Arts e estudou por conta própria os livros De la Loi du Contrast Simultané des Couleurs, do químico Michel-Eugène Chevreul, e suas descobertas a produção de uma terceira cor quando duas cores eram justapostas, quando vistas à distância, baseado na teoria das cores de Newton, Modern Chromatics: With Applications to Art and Industry, a 'Biblia' dos impressionistas, do físico, e aquarelista amador, Ogden Nicholas Rood, aplicando à arte a teoria da visão colorida tricromática de Youg/Helmholtz - que havia sido recentemente publicada, em 1878, - e o triângulo de cores de Maxwell, apresentado em 1855, e Grammaire des Arts du Dessin, do crítico de arte Charles Blanc, que o introduziu às teorias de cores complementares e de misturas de cores, as quais permaneceram centrais na sua pintura (SMITH, 2000). Aparentemente, ele buscava colocar a óptica científica a serviço da representação pictórica. Mais do que querer pintar de acordo com idéias solidamente científicas, ele quis representar essas próprias idéias na tela (REIS; GUERRA; BRAGA, 2006).
O sistema proposto por Rood, permitiu-lhe obter tons mais luminosos do que o sistema subtrativo usado até então na mistura das tintas na paleta antes da sua aplicação na tela. Sua pintura teria influenciado van Gogh, Matisse, Delaunay e Picasso (SMITH, 2000).
Na pintura clássica, as formas eram delimitadas por linhas e as cores eram obtidas pela mistura das tintas na paleta até se chegar ao tom desejado. No Divisionismo, seguindo as idéias dos impressionistas, o tom é decomposto nas cores primárias e as formas são construídas laboriosamente, meticulosamente, pela aplicação, diretamente na tela, de minúsculas pinceladas, nitidamente separadas, mesmo a olho nu, na forma de pequenos pontos ou traços (PEDROSA, 2003).
Essas cores primárias, justapostas e não mescladas, são combinadas na retina de quem a observa para formar o tom desejado pelo autor. A partir de certa distância, que pode ser diferente para diferentes observadores, essa imagem pontilhada passa a ser contínua, como se tivesse sido pintada por linhas e não por pontos (DALE; BAYLEY, 2003).
Esse pontilhismo observa-se mais claramente no detalhe abaixo da sua obra La Parade, de 1889.
Desta forma, pode-se dizer que o tom idealizado pelo autor não está realmente no quadro mas é construído na mente de quem o observa, como numa ilusão de óptica. Vale lembrar que a recém-inventada Fotografia colocara a Pintura em cheque, desprovendo-a de sua função clássica retratista de reproduzir fielmente a Natureza, o verdadeiro. Aliás, pode-se perguntar se, de qualquer forma, temos alguma percepção da Realidade.
Para alguns autores (REIS; GUERRA; BRAGA, 2006), essa descontinuidade do Pontilhismo reflete a descontinuidade do mundo, que é quântico, quantizado:
O ambiente cultural e científico do final do século XIX estava efervescendo de idéias que eram criadas tanto pela pintura como pela ciência. A Física e a Biologia trilharam os caminhos da descontinuidade – a primeira com a teoria quântica e a segunda com a redescoberta e o desenvolvimento da genética mendeliana (REIS; GUERRA; BRAGA, 2006).
Note-se porém que, quando Seurat estava pintando este quadro (1884-1886), embora Boltzmann já tivesse, em 1877, sugerido que os estados de energia de um sistema físico poderiam ser discretos, Planck não havia ainda avançado com sua hipótese de que toda a energia é irradiada e absorvida na forma de quanta, o que só ocorreu em 1900. O elétron só foi descoberto em 1897, o efeito fotoelétrico foi descoberto por Herz em 1895 e, para explicá-lo, o fóton só foi postulado por Einstein em 1905. Por outro lado, em 1885, Balmer estava matematizando a série de linhas espectrais do Hidrogênio que leva hoje seu nome e, até os estudos de Perrin sobre os colóides, em 1908, a existência de átomos não era aceita. Isso parece demonstrar que Seurat não tinha com ter conhecimento de nenhuma descoberta das teorias atômica ou quântica que pudesse ter subsidiado seu Pontilhismo, numa das possíveis correlações
ponto = átomo
ou
ponto = quantum.
Apesar disso, alguns autores, discutivelmente, acreditam que artistas visionários, tais como Leonardo, Monet, Seurat, Duchamp, Pollok, etc., anteciparam uma nova visão de mundo que pouco tempo depois seria compartilhada por alguma revolução na Física. Isto é, as descobertas científicas seriam antecipadas pelos artistas, evidentemente não como conhecimento científico mas em forma de paradigma, de certa forma preparando o terreno para elas (SHLAIN, 2007).
Ainda assim, o pontilhismo de Seurat nos ajuda a imaginar o nosso mundo, um espaço-tempo quântico, descrito geometricamente como uma coleção de conjuntos discretos mas transfinitos de pontos (El NASCHIE, 2007).
Curiosamente, Louis de Broglie, príncipe e 7° Duque de Broglie, criador da Mecânica Ondulatória, uma das distintas vertentes da Mecânica Quântica, a qual associava uma onda a cada partícula elementar, era neto de Jacques Victor Albert, 4° Duque de Broglie, cuja esposa, Joséphine Eléonore Marie Pauline de Galard de Brassacede Béarn, princesa de Broglie, foi pintada, em 1853, por Ingres, pintor neo-clássico, lendário rival de Delacroix, uma das influências de Seurat. Hipótese maluca: Teria esse quadro aproximado o neo-impressionista Seurat do quântico de Broglie?
De qualquer forma, o Pontilhismo de Seurat é análogo, e em certo sentido é precursor, dos processos de pixelização e separação de cores da televisão e da imagem digital, conforme explico na página Física Ondas - Cores não são o que você pensa!.
Física
também é Arte!
Ou Arte também é Física!
Ah, sei lá...
Referências
Veja mais sobre Seurat na Wikipédia.
Veja mais sobre o Pontilhismo na Wikipédia.
Veja mais sobre o quadro Un dimanche après-midi sur l'Île de la Grande Jatte na Wikipédia (em espanhol).
Veja mais sobre a Lei do contraste simultâneo das cores de Chevreul na Wikipédia.
Veja mais sobre sistemas de cores na Wikipédia.
Veja minha página sobre Realidade e percepção.
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