Segundo essa teoria, as substâncias combustíveis possuiriam dentro delas um 'princípio', o flogistico, que, durante os processos de combustão ou calcinação, seria libertado para o meio ambiente. Quando se acabasse o flogístico da substância, ela não poderia mais queimar e se tornaria incombustível. O flogístico libertado na atmosfera seria gradualmente absorvido pelas plantas.
O flogisto era considerado como o 'elemento' fogo combinado e tornado num dos princípios constitutivos dos corpos combustíveis; sempre que o flogisto se combinasse com uma substância não inflamável, daria lugar a um novo composto, capaz de se inflamar.
O flogístico não teria a mesma afinidade para todas as substâncias; combinar-se-ia facilmente com os sólidos mas teria dificuldade em se combinar com os materiais fluidos leves e voláteis.
Mayow havia descoberto que somente uma parte do ar era necessária para a combustão, a que ele chamou de 'espírito nitro-aéreo' pois ele identificou-o como uma das partes da porção ácida do nitro (nitrato de potássio), que, efetivamente, liberta oxigênio quando aquecido, sendo, por isso, usado na pólvora.
Numa experiência famosa, que Lomonossov já havia realizado 14 anos antes, sem reconhecimento na Europa, todavia, Lavoisier
Lavoisier demonstrou, também, o papel do oxigênio na oxidação dos metais (ferrugem), bem como, trabalhando com Laplace, na respiração animal e vegetal, desprovando a Teoria do Flogístico.
Lavoisier, ao contrário, demonstrou que a água não era um elemento, mas, sim, composta pelo "ar inflamável" (H) de Cavendish, a que Lavoisier chamou de hidrogênio, significando "formador de água", e o ar deflogisticado (O).
Desta forma, Lavoiser, estudando a combustão e a respiração,
Com isso, Lavoisier deflagrou uma verdadeira Revolução Química.
Apesar do trabalho de Lavoisier, a Teoria do Flogístico era defendida por muitos cientistas da época pois 'explicava' bem uma série de fenômenos:
Flogístico | Oxigênio | |
combustíveis | possuem muito flogístico | combinam bem com oxigênio |
combustão | consumo de flogístico | combinação com oxigênio |
fim da combustão num espaço fechado | saturação de folgístico | esgotamento do oxigênio |
calcinação dos metais | libertam o flogístico, restando cinzas | combinam com oxigênio, produzindo óxidos (cinzas) |
reconversão da cinza a metal com carvão | reincorporação do flogístico do carvão às cinzas, recuperando o metal | combinação do oxigênio do óxido com o carvão, produzindo gás carbônico e recuperando o metal |
produção de cal virgem a partir do calcáreo | incorporação de flogístico ao calcáreo, produzindo a cal | libertação do gás carbônico a partir do carbonato (calcáreo), restando o óxido (cal virgem) |
variação de massa | massa negativa do flogístico reduz a massa inicial do combustível | massa final aumentada pela combinação com oxigênio |
oxigênio | ar deflogisticado, pode absorver flogístico do combustível e alimentar a combustão | oxigênio, pode combinar-se com o combustível e alimentar a combustão |
formação da água | combinação de 'ar inflamável' (água com flogístico) (H) e 'ar deflogisticado' (água sem flogístico) (O); o flogístico das duas partes se anulava, restando água | combinação de hidrogênio e oxigênio |
metabolismo animal | absorvem flogístico dos alimentos e o liberam para o ar | absorvem oxigênio do ar e utilizam na oxidação do carbono dos alimentos, libertando gás carbônico para o ar |
fotossíntese das plantas | absorvem flogístico do ar, 'deflogisticando-o' | absorvem gás carbônico do ar e libertam oxigênio |
circulação | sangue venoso descarrega flogístico nos pulmões, tornando-se arterial; em contato com o 'ar flogisticado' no corpo, absorve flogístico, tornando-se venoso | sangue venoso absorve oxigênio nos pulmões, tornando-se arterial; em contato com as células, absorve o gás carbônico, tornando-se venoso |
Como se vê, há que reconhecer que a Teoria do Flogístico, funcionando como "um exato filme em negativo do mundo real" (GOTTSCHALL, p. 231), tinha um grande poder explanatório, o que muito contribuiu para sua sobrevivência.
No entanto, como vimos na aula Por que História e Epistemologia da Ciência?, os livros texto, em geral, apresentam a História da Ciência como uma marcha triunfante de sucesso em sucesso, suprimindo as [importantes] contradições que marcaram o seu desenvolvimento (ROBILOTTA, 1988), obliterando teorias que foram científicas em certa época e foram, posteriormente, superadas.
Demonstrado que a Teoria do flogístico era inconsistente com seus resultados experimentais, conforme publicou em seu Réflexions sur le phlogistique, de 1783, Lavoisier propos a Teoria do calórico, baseada na existência de um 'fluido sutil', chamado calórico que fluiria de um corpo mais quente para outro menos quente, tendo, como vimos na aula Lavoisier e a Revolução Química, desenvolvido um calorímetro de gelo e introduzido o termo ‘caloria’, unidade de medida do calórico.
Tal como a Teoria do flogístico, analisada acima, a Teoria do calórico também tinha grande poder explanatório para uma série de fenômenos, tais como
Mais ainda, baseado nela, Laplace introduziu uma correção ao cálculo de Newton para a previsão teórica da velocidade do som nos gases que forneceu um valor que se manteve por um século!
Com isso tudo, manteve-se por muitos anos, até que Rumford e Joule a substituíram, como veremos na aula A crise da Física no inicio do século XX.
Boyle, em seu The Sceptical Chymist, havia introduzido a noção de elemento químico, como sendo
"certos corpos primitivos e simples, perfeitamente puros de qualquer mistura, que não são constituídos por nenhum outro corpo, ou uns pelos outros, que são os ingredientes a partir dos quais todos os corpos que chamamos misturas perfeitas são compostos de modo imediato, e nos quais estes últimos podem ser finalmente resolvidos." (BENSAUDE-VINCENT; STENGERS, 1992, p. 53).
Lavoisier, desenvolve a definição de Boyle, definindo elementos ou 'princípios dos corpos' como
"o último termo ao qual chega a análise, todas as substâncias que não podemos decompor por meio algum" (BENSAUDE-VINCENT; STENGERS, 1992, p. 53)
É interessante que ele faz a ressalva de que
"não que possamos assegurar que estes corpos, que nós consideramos como simples, não sejam eles mesmos compostos de dois ou mesmo de um maior número de princípios, mas como estes princípios jamais se separam, ou antes, como não temos nenhum meio de os separar, eles comportam- se para nós como os corpos simples, e não devemos supô- los compostos senão no momento em que a experiência e a observação nos tenham fornecido a prova" (BENSAUDE-VINCENT; STENGERS, 1992, p. 53-54).
Baseado nessa nova definição de elemento, Lavoisier e seus colaboradores, Louis Bernard Guyton de Morveau, Claude Louis Berthollet e Antoine François de Fourcroy, abandonando os poéticos nomes alquímicos, introduziram uma nova nomenclatura para as substâncias químicas de nomes sistematizados que indicavam a composição da substância (OKI, 2002).
Com isso, a Tabela de Substâncias Simples apresentada em seu Traité Élémentaire de Chimie (Tratado Elementar de Química), de 1789, lista 33 elementos, incluindo não só 'luz' e 'calórico', como também cal, magnésia, barita, alumina e sílica, hoje sabidamento óxidos, já que na época ainda não se conseguia decompor essas substâncias.
Lavoisier foi membro da Ferme Général, um sistema terceirizado de recolha de impostos utilizado na altura na França, a quem pertencia, também, Jacques Paulze, pai de Marie-Anne. O sistema era baseado num valor previamente acordado de recolha; tudo o que ultrapassasse esse valor, seria de pertença do contratado. Com isso, Lavoisier obteve tempo e recursos para suas pesquisas. Muitos membros da Ferme Général enriqueceram. Alguns tornaram-se patronos das artes e das ciências ou de benfeitorias públicas, outros tornaram-se ambiciosos e cruéis, explorando o povo. Por isso, a Ferme Général tornou-se um símbolo para tudo de ruim do Antigo Regime e presa a abater pelos revolucionários.
Numa ocasião, Lavoisier rejeitou como não científico um trabalho de Marat, especialmente por ele contrariar o 'divino' Newton. Marat, médico, filósofo e cientista, ficou mais conhecido, no entanto, como jornalista radical e um dos líderes políticos da Revolução Francesa. Suas concepções sobre a natureza da luz e da cor aproximavam-se mais das de Goethe, que não aceitava a idéia newtoniana de que a luz branca é composta por uma mistura de todas as cores. Com a recusa de Lavoisier, Marat teve negada sua candidatura à Académie des Sciences. Profundamente desgostoso, incitou o povo contra Lavoisier, acusando-o até de vender tabaco falsificado.
Lavoisier foi guilhotinado, juntamente com vários coletas da Ferme Général, acusado de 'inimigo do povo', após uma farsa de julgamento, durante o qual Marie-Anne tentou conseguir apoios dos amigos cientistas, inutilmente, no entanto. Durante sua tentativa de defesa, ouviu a reprimenda "A República não precisa de cientistas ou químicos."
É célebre a frase de Lagrange: "Não bastará um século para produzir uma cabeça igual à que se fez cair num segundo".
Em sua homenagem, o asteróide 6826 foi denominado 'Lavoisier'.
Após sua morte, Marie-Anne casa-se, em 1804, com Benjamin Thompson, mais conhecido na Física como Conde de Rumford, precursor da Termodinâmica, como veremos na aula A crise da Física no inicio do século XX.
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PAGEL, Walter. Joan Baptista Van Helmont: Reformer of Science and Medicine. Cambridge University Press, 1982.
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